Em "Na Sombra", o polémico livro de memórias do príncipe Harry — que tanto tem dado que falar —, o duque de Sussex revela que foi circuncidado em bebé. Se é fã da série "O Sexo e a Cidade", de certeza que se recorda de as quatro protagonistas discutirem sobre se os homens com quem se envolviam eram ou não circuncidados, e é inegável que esta é uma prática relativamente mais comum em países como os Estados Unidos. E em Portugal? Mais importante ainda, há benefícios claros que justifiquem este procedimento em bebés?
A resposta é um claro não, seja do ponto de vista da frequência do procedimento no nosso País, seja dos benefícios (quer para a saúde ou para uma melhor higiene). "Em Portugal, as circuncisões acontecem muito raramente", diz à MAGG Manuel Ferreira de Magalhães, professor universitário e pediatra no Hospital Lusíadas Porto e no Centro Manterno-Infantil do Norte.
De acordo com o especialista, de uma forma geral, "não há nenhuma vantagem médica" em realizar esta intervenção nos bebés do sexo masculino, e há apenas três motivos que podem conduzir ao procedimento: vontade dos pais, crenças culturais e religiosas (sendo que estes dois motivos complementam-se) e motivos muito específicos de saúde.
As circuncisões ajudam a uma melhor higiene? "Isso é uma ideia errada", diz pediatra
Apesar de não serem comuns em Portugal, as circuncisões são, muitas vezes, ligadas à ideia de permitirem uma melhor higiene, facto que Manuel Ferreira de Magalhães nega completamente. "Isso é uma ideia errada", refere o especialista, também responsável pela página de Instagram O Pediatra.
"Uma boa higiene, que pode e deve ser feita, nada tem que ver com a circuncisão", salienta o pediatra. "O que deve ser feito, e a informação que tem de ser passada às crianças, é que quando fizerem xixi, devem puxar delicadamente a pele do prepúcio para trás, limpar com papel higiénico e puxar novamente a pele para a frente. Isso é que é uma higiene adequada". O professor universitário salienta também que não é fácil explicar isto a crianças muito pequenas, mas que meninos a partir dos 5, 6 anos, já conseguem fazer este tipo de higiene.
Devem os pais puxar a pele para trás durante a higiene? Antes dos 3 anos, nunca
É uma dúvida comum a muitos pais de bebés do sexo masculino: afinal, a pele do prepúcio deve ou não ser puxada para trás? "Antes dos 3 anos, não deve ser feito", responde Manuel Ferreira de Magalhães. O pediatra explica que os pais devem começar com este gesto entre os 3 e os 5 anos, e optar por fazê-lo no banho, com toda a calma do mundo.
"No banho, de uma forma natural, e nunca antes dos 3 anos, reforço, os pais podem começar a puxar a pele para trás, sendo que a criança nunca deve sentir dor ou desconforto. Aliás, se isso acontecer, se os pais forçarem algo e magoarem, o que sucede é que algo pode rasgar e, depois de cicatrizado, vai apertar ainda mais", refere o especialista sobre as fimoses (quando a pele que cobre a glândula do pénis está demasiado apertada).
No entanto, no caso de as crianças terem fimoses mais apertadas — e embora a circuncisão possa ser uma hipótese para ajudar nestes casos —, o pediatra salienta que a primeira abordagem, e a mais utilizada em Portugal, não é cirúrgica.
"Apesar de a circuncisão poder ser ponderada nestes casos, há atualmente pomadas de corticoides que resolvem o problema em dois ou três ciclos de aplicação. A pomada é aplicada e a fimose abre naturalmente, sem ser necessário intervir", explica Manuel Magalhães.
As (raras) situações médicas que podem levar ao aconselhamento da circuncisão
Manuel Ferreira de Magalhães reforça que as circuncisões são, de facto, muito pouco frequentes em Portugal, mas refere que há situações médicas em que podem representar uma ajuda.
"Podem existir patologias ou casos muito específicos em que a circuncisão possa reduzir riscos. No caso das fimoses, e embora a pomada de corticoides seja uma boa opção, se uma criança está a fazer infeções urinárias de repetição, se a fimose é tão agressiva ao ponto de existir uma obstrução à saída da urina (o chamado fazer xixi em balão), a intervenção pode ajudar", diz o pediatra, que salienta que a fimose por si só "não representa nenhum tipo de complicação", nem é indicação para a realização da circuncisão.
Manuel Ferreira de Magalhães considera ainda importante reforçar que as fimoses "não estão associadas a mais infeções urinárias, mas resolvendo a fimose [seja com a pomada ou circuncisão, em casos muito específicos], o risco destas infeções pode ser minimizado".