Devíamos ter guardado umas das agendas recebidas no Natal para preencher exclusivamente com os treinos online da quarentena. É que já não há horários para tantas aulas em tantas plataformas, com tantos horários e diversidade de dinâmicas. O que não falta são incentivos (e, surpreendentemente, vontade) só não percebemos é porque é que é tão importante mantermo-nos ativos durante a quarentena — sem que isso signifique fazer um treino pesado.

Normalmente a escolha recai sobre o mood: hoje apetece algo mais interativo, fazemos um direto com um personal trainer ou influenciador. Se queremos algo algo mais calmo, basta aproveitar uma das escolas de ioga que fazem sessões online.

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O que interessa é estar em movimento: "Independentemente de ser ou não uma pessoa ativa antes da quarentena, existe um conjunto de capacidades que se tornam ainda menos eficientes, senão mesmo inexistentes em alguns casos, se não forem estimuladas", explica o PT Nelson Rodrigues, mestre em exercício e saúde.

O profissional de desporto vai mais além e esclarece ponto por ponto que "capacidades" são estas que podem estar em causa e como trabalhá-las.

Quem casa, quer não ter problemas de saúde

O sistema cardiovascular pode ser um dos primeiros a ressentir a falta de movimento — nem que fosse aquele que fazia a pé de casa para o supermercado ou numa caminhada curta. Basta pensar que quando faz exercício físico, principalmente se se tratar de uma corrida, sente uma alteração no padrão dos batimentos cardíacos. Isso é sinal de que o sangue está a ser bombardeado por todo o corpo, melhorando assim a função do coração. Se não existir este estimulo, a tendência do sangue será coagular, algo que pode levar a problemas mais sérios, como uma trombose.

Além disso, o PT Nelson Rodrigues refere que o sedentarismo pode resultar em baixos "níveis de imunidade, retirando alguma capacidade de combater infecções", algo que nesta altura, de combate ao vírus COVID-19, é essencial.

Há ainda um outro sistema que pode ser afetado com a inatividade em casa: o sistema musculo-esquético. Certamente já deve ter ouvido alguém, ou ser um desses casos, a queixar-se de dores nas articulações. As razões para isso podem ser várias e a falta de exercício físico é uma delas.

"Uma das funções do sistema musculo-esquelético é conferir estabilidade articular. A falha de uma determinada zona muscular leva a descompensações, sobrecarrega outras zonas musculares e provoca má postura", refere Nelson Rodrigues, também especializado em osteopatia, dando o exemplo de pessoas que sofrem de tendinite, dor que por vezes se expande pelo ombro e braço em resultado das tais compensações e sobrecargas.

Que alternativas pode então aplicar em casa? Nelson Rodrigues destaca a importância de passar algum tempo em pé e dá exemplos simples: colocar o seu computador na tábua de passar enquanto trabalha ou substituir uma cadeira normal por uma bola "fitball”, a conhecida bola de pilates. Contudo, caso não adira a qualquer tipo de exercício na quarentena, quando retomar deve ter moderação para evitar problemas musculares ou nas articulações.

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É possível continuar a praticar exercício intenso em casa?

A resposta é sim. "Para quem treina de forma regular há um tempo considerável, o corpo não se ressente do dia para a noite. Deverão reajustar tanto o treino como a alimentação. Quem fazia exercício intenso poderá continuar a fazê-lo, obviamente com restrições", como é caso do espaço disponível ou de cargas extremas.

Nelson Rodrigues refere que é possível manter os treinos intensos em casa e pode passar primeiro por definir um plano com um profissional de desporto. Este pode consistir em exercícios de reeducação de movimento ou trabalho de músculos acessórios. O PT reconhece que quem está habituado a treinar de forma intensa pode perder capacidades, como todas as pessoas, mas acredita que não terá grandes repercussões estéticas e a recuperação posterior pode ser feita rapidamente.

"Para o praticante comum, existe um conjunto de técnicas recorrendo a resistências mais artesanais, utilizando livros dentro de sacos, garrafões de água, etc, que conseguem produzir boas resistências para realizar um bom treino", diz, revelando que estes exercícios permitem aumentar capacidades como força, agilidade, resistência e velocidade e queimar calorias.

Para quem gostava de treinar com cargas, que agora não consegue obter, o PT deixa alguns conselhos:

  • Aumentar o tempo de execução no músculo que pretendem trabalhar;
  • Fazer exercícios isométricos nesses mesmos locais;
  • Fazer trabalhos de "series compostas" para o mesmo grupo muscular (dois exercícios diferentes para o mesmo músculo).
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Cardio ou fortalecimento muscular? Em que devemos apostar?

Nesta fase em que estamos mais parados em casa podíamos pensar que o cardio, independente dos objetivos de cada um, seria o método ideal para colocar o corpo em movimento de forma mais eficiente. Contudo, Nelson Rodrigues revela que a escolha deve recair sobre a saúde.

"Devemos acima de tudo, mantermo-nos funcionais, fazendo exercícios variados, de coordenação, estáticos e dinâmicos, de mobilidade e outros com mais exigência cardiovascular", explica o profissional de desporto.

Destaca ainda que cada pessoa tem uma preferência ou necessidade, bem como uma determinada capacidade de resistência ao esforço. "Tudo o que vai para além do recomendado faz parte de um conjunto de preferências que a pessoa deve tentar conseguir se assim o desejar. Se existir uma má postura, esta deverá ser reforçada, se existe uma má condição aeróbia, deveremos apostar nos exercícios de cardio", diz.

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Além das diferentes capacidades de resistência, sabemos que nem todos respondemos de forma igual aos estímulos. Há sempre aquelas pessoas que comem de tudo, fazendo inveja com uma pizza ou gelado, e mesmo assim mantêm ou até perdem peso, e aquelas que conseguem perder peso com trabalhos de força, conforme já foi revelado em alguns estudos.

Mais do que escolher entre gastar calorias com cardio ou ganhar massa magra com exercícios de fortalecimento muscular, deve escolher o que for mais motivador: "Para quem é mais preguiçoso nesta matéria, o meu conselho é que procure uma atividade de que goste. Em tanta variedade, existe certamente uma que não seja um sacrifício. Quando encontrar, é mais fácil criar a sua rotina uma vez que o faz com gosto", diz o PT Nelson Rodrigues.

Existem as pessoas “matutinas” e depois as “vespertinas”

Tentámos perceber qual o melhor período do dia para treinar na quarentena. Porém, tudo depende, além do facto de estar ou não em teletrabalho, do período do dia em que é mais ativo.

"Cada pessoa tem a sua rotina, existem as pessoas 'matutinas', que estão sempre despertas de manhã para fazer tudo, e depois as 'vespertinas', que passam a manhã de forma mais sonolenta e sem a mesma energia que têm à tarde. O meu conselho é que sigam essa condição", refere o PT.

Mas isto é para quem está em total regime de quarentena, sem nada de específico que fazer durante o dia. Para quem está em teletrabalho o cenário mude de figura.

Nestes casos Nelson aconselha: "Crie regras, por exemplo, levantar-se de 30 em 30 minutos para fazer alguns exercícios de alongamentos (5 minutos pode ajudar bastante a descomprimir)", destacando que existem várias fontes seguras ou até profissionais certificados que disponibilizam bons exemplos de alongamentos. O truque? Imprima e deixe ao lado do computador como se fosse um lembrete constante.