São muitos os que ainda acreditam que o veganismo é uma moda, um radicalismo, mantendo mal-entendidos sobre um conceito que ainda não compreendem bem. Contudo, para algumas pessoas, o veganismo é um estilo de vida que lhes é natural desde o primeiro segundo de vida, o que significa que nunca conheceram outra alimentação senão a que exclui alimentos de origem animal e cujo modo de vida deixa de parte tudo o que envolva exploração animal ou humana.

Mas eis a questão que talvez sempre quis fazer a um vegan: nunca teve curiosidade de experimentar alimentos de origem animal? "Há sempre um chocolate de um amigo ou umas bolachas que queremos provar e que no imediato não fazem lembrar qualquer produto de origem animal. Mas bastava fazer essa associação que rapidamente perdia o interesse", responde Sara Simões Pereira, de 25 anos, licenciada em Fisioterapia pela Universidade de Aveiro.

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Sara já nasceu vegan, uma vez que a mãe já o era desde os 18 anos e o pai também se tornou quando a conheceu.

"Sinto-me uma privilegiada pelo facto de, sobretudo a minha mãe, ter escolhido fazer uma alimentação vegan e ter sido uma fonte de inspiração para mim, explicando-me, desde muito cedo, porque comíamos assim, a procedência dos produtos de origem animal e o que implicava o facto desses produtos chegarem ao prato", refere a fisioterapeuta.

A mãe, diz, sempre lhe deu liberdade "para fazer escolhas conscientes e não impostas", fator que considera determinante para o percurso que acabou por fazer. "Fazia sentido para mim desde criança", acrescenta.

No Dia Mundial do Veganismo, que se celebra este domingo, 1 de novembro, a MAGG foi à procura das histórias de quem é vegan desde que nasceu e, além de Sara, encontrámos Ana que é vegan por força do seu próprio corpo e Maria que, com apenas 11 anos, leva o veganismo muito a sério.

Há 30 anos, o que comia um vegan na escola?

Sara, agora com 25 anos, lembra as barreiras de quem já não comia nada de origem animal em criança. Não comia o mesmo pão com manteiga ou os iogurtes que os colegas, e fazia-se valer dos lanches que levava de casa.

"Fruta, queques, panquecas, bolachas e sumos de fruta ou pacotinhos de leite vegetal, sanduíches... Era sempre variado", diz.

Contudo, na hora do almoço, a oferta era mais limitada se quisesse comer na cantina. "Não havia qualquer opção vegetariana naquela altura, por isso, se quisesse ficar a conviver com os colegas, levava marmita e as senhoras da cantina já sabiam (era a única vegan) e deixavam-me entrar", conta à MAGG.

Em alternativa, tinha a sorte de viver perto da escola. "Ia almoçar a casa e depois regressava", garantindo assim uma boa refeição.

Um restaurante tem sempre sopa (às vezes com banha)

Apesar de não ser uma moda, só há pouco tempo é que começou a haver uma oferta mais vasta na restauração em Portugal para quem é vegan. Ainda assim, é quase sempre um desafio e são muitas as vezes em que só depois de uma negociação com o funcionário se chega a um prato completo — isto para não se ficar pelos acompanhamentos.

Sara está habituada a essas negociações e é minuciosa nas perguntas que faz. "De um modo geral, até os restaurantes tradicionais fazem um arroz, uns feijões e uma salada, mas sinto que ainda é preciso perguntar muito bem os ingredientes dos pratos porque até a sopa de legumes pode levar banha para temperar", relata. É precisamente aqui que a comunicação é um ponto chave.

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Contudo, quando não há mesmo opção ou o restaurante não se mostra disponível para preparar um prato adaptado, Sara avança para o passo seguinte: "Pergunto se posso levar a minha comida e até hoje creio só ter recebido um 'não'", acrescenta.

"Lembro-me de, há sete anos, quando eu e o meu namorado começámos a namorar, não havia nenhum restaurante vegetariano/vegan na cidade mais próxima (Aveiro) onde pudéssemos jantar. Mas nada que nos fizesse mudar de estilo de vida", conta.

E ainda bem que não. Isto porque, num espaço de quatro anos, esse panorama mudou e, hoje em dia, Sara Simões Pereira e o namorado já têm opções locais interessantes, segundo a fisioterapeuta.

Vegan com proteína a mais? Sim, é possível

Um vegan com excesso de proteína? Sim, é possível e é o caso de Ana Filipe, de 46 anos, cabeleireira e responsável pelo espaço vegan e sustentável Almamundi Spa, no Seixal. "Lembro-me de ir ao médico com 16 anos e dizer-me para comer menos carne. E eu comecei a rir-me. Disse-lhe que nunca tinha comido carne na vida", conta Ana à MAGG.

O problema estava então no excesso de ervilhas, de grão e de outras leguminosas que teve de reduzir para regular os valores elevados de proteína. Já quanto à mítica vitamina B12, presente naturalmente apenas em alimentos de origem animal, Ana revela que os valores sempre foram normais e acredita que a associação entre a carência de B12 e o veganismo um mito.

"O meu pai era carnívoro. Ele só comia carne com arroz ou massa, não comia legumes, era o oposto de mim. E teve de tomar suplementos porque tinha sempre anemia, falta de ferro, de vitamina B12 e de ácido fólico. Isto para dizer que, independentemente do tipo de alimentação que se tem, é preciso variar", defende.

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Tendo em conta que o pai de Ana comia carne, a ligação familiar ao veganismo está assim descartada. O que fez então com que fosse vegan desde bebé? O facto de rejeitar todos os alimentos de origem animal. "Não conseguiam pôr-me nada na boca que tivesse carne, peixe, ovos. Não abria a boca, só chorava", conta.

Os pais tiveram de se adaptar à situação, contando com a ajuda de uma vizinha que, por coincidência, era vegan. Com as adaptações certas, Ana Filipe nunca teve de tomar suplementos alimentares e, em criança, nunca ficava doente.

"Sou da Suíça e, como o clima é muito frio, em idade escolar os meus colegas chegavam a ficar com gripe e eu nunca estava doente. Lembro-me de dizer aos meus pais 'liga para a escola a dizer que estou doente, mente para poder ficar em casa'", recorda.

Além de ter uma saúde de ferro, a agora cabeleireira foi bailarina profissional durante 13 anos e treinava quatro a cinco horas por dia — cumprindo todas as necessidades nutricionais sem ter sentido necessidade de ser acompanhada por um profissional de nutrição.

Também o filho, de 13 anos, seguiu as pisadas da mãe, não só no que diz respeito à alimentação, como ao desporto. "É atleta de ténis, já faz competições internacionais, e é vegan. Nunca notámos qualquer tipo de problema. Pelo contrário", conclui Ana.

Tem apenas 11 anos, mas é cheia de causas

Ana Castro, que faz parte do projeto "E o seu restaurante já tem?" da Aliança Animal — entidade independente que assenta na defesa dos animais —, é fundadora do projeto Sabor Fazer, formadora e consultora na área da alimentação saudável e vegetariana, e ainda mãe de quatro filhos, todos vegan.

A mais velha, Maria, tem 11 anos e nunca teve curiosidade em provar produtos de origem animal. Desde que nasceu, o veganismo é um ponto assente dentro e fora de casa.

Maria tem amigos vegan e outros que, não sendo, "compreendem e alguns também gostariam de ser", revela à MAGG. Por isso, as festas de aniversário — onde não faltam as habituais mesas recheadas de rissóis, gomas ou mousse de chocolate — nunca foram problema. "Quando me convidam, costumam comprar alguma coisa a pensar em mim", diz, mas, no fundo, aquilo que importa é mesmo a brincadeira.

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Uma vez que pratica ginástica acrobática, para ter braços que aguentem um pino, Maria não descura a alimentação e tem alguns pratos vegan de eleição, mas com um pormenor: têm de ser feitos pela mãe, Ana Castro. Qualquer receita de seitan serve, mas a bolonhesa é um dos favoritos de Maria. Ah, e as tostas de queijo vegan com orégãos para um snack entre as refeições principais.

Contudo, Maria não se limita a cortar a carne, o peixe e os derivados. Considera-se até uma ativista. Mas o que significa isso para si? "Falar com as pessoas e elas perceberem que não devemos fazer mal aos animais", remata.