O Dia Internacional do Desporto para o Desenvolvimento e a Paz assinalado esta quarta-feira (6) serviu de mote para a divulgação do relatório do Programa Nacional para a Promoção da Atividade Física (PNPAF), da Direção-Geral da Saúde (DGS), relativo a 2021.
Baseado no estudo REACT COVID 2.0, realizado em parceria com o Instituto de Saúde Ambiental da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, o documento prova que mais de metade dos portugueses (54,3%) aumentaram os níveis de atividade física para a promoção da saúde comparativamente com o primeiro ano da pandemia. Em 2020 foi apurada uma taxa de 46%.
De acordo com João Paulo Correia, recém nomeado secretário de Estado da Juventude e do Desporto, estes “são dados animadores”, que se justificam pelo confinamento generalizado dos portugueses e a consequente alteração de hábitos diários. Paralelamente, diversos setores necessitam de se reinventar, nomeadamente o setor desportivo que fez esforços para responder, de forma próxima, à procura.
Os ginásios e clubes desportivos “fizeram uma aposta sólida na oferta à distância de atividades desportivas exatamente na mesma altura que havia uma vontade generalizada para ocupar o tempo livre com AF”, começou por dizer, considerando que esta atitude foi essencial para os números obtidos pelo relatório.
Lembrou também a campanha, lançada em resposta à pandemia, pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ), “Ser Ativo em Casa”, na qual muitos portugueses ficaram mais conscientes de que é possível adotar um estilo de vida ativo, com recurso a espaços e materiais que todos temos em casa. “Foi uma das iniciativas do instituto com maior adesão dos últimos anos”, sublinhou o responsável pela pasta.
O documento, além de resumir os dados relativos à atividade física, faz referência ao aumento do sedentarismo, de 38,9% para 46,4%. Dado que João Paulo Correia já previa, esclarecendo que “ser sedentário é diferente de ser inativo, pelo que é possível cumprir com as recomendações de atividade física da Organização Mundial da Saúde (OMS) e, ao mesmo tempo, ser sedentário no dia-a-dia”.
De acordo com João Paulo Correia, “os níveis de atividade física da população têm seguido uma linha progressiva e importa desmistificar que o desporto não é apenas para atletas e que qualquer pessoa pode, de acordo com as suas características, adotar um estilo de vida ativo”. Neste contexto, o essencial para o responsável da pasta do Desporto passa pelas políticas integradas de alteração de contextos, pela literacia física e motora desde as idades mais jovens, pela educação física, por credibilizar os profissionais do desporto e por garantir uma oferta generalizada.
Quem notou muito o aumento da atividade física dos portugueses foi Inês Abrantes, personal trainer (PT), para quem a privação da liberdade dos portugueses, motivada pela pandemia, teve realmente um efeito fundamental no tempo dedicado ao exercício físico e na saúde em geral. “Muitas pessoas encontraram a solução numa corrida ou caminhada ao ar livre e a preocupação com a alimentação saudável aumentou”, disse.
Prova disso mesmo foi a criação, em plena pandemia, da Team Inês Abrantes, uma empresa desenvolvida em setembro de 2020, que tem 10 funcionárias (um equipa só de mulheres), e está presente em três áreas – dando conta da importância de abordar a saúde de forma integrada: exercício físico, nutrição e psicologia. “Todas estas áreas da saúde estão relacionadas entre si, por isso colocámos uma psicóloga clínica na nossa equipa para ajudar os nossos clientes”.
A profissional conta ainda que aumentou bastante o número de aulas online e considera que estas vieram para ficar, sobretudo, por parte das mulheres. “Cheguei a ter aulas com 70 pessoas a treinar através da aplicação Zoom. E isto veio para ficar. Na equipa temos cerca de 40% de atletas que só treinam através de vídeo chamada e dizem que assim conseguem encaixar melhor as aulas nas suas agendas semanais”, explicou.
Na equipa de Inês Abrantes a maioria são mulheres (80%), que por falta de tempo, preferem treinar à distância. Contudo, há muitas outras que não conseguem sequer arranjar disponibilidade. Os resultados obtidos pelo relatório da DGS comprovam até que continuam a ser as mulheres quem dedica mais tempo às tarefas domésticas (84,7%), quase o dobro, comparativamente com os homens (46,3%).
O mesmo documento alerta que essa falta de tempo é meio caminho andado para uma vida menos saudável, sendo as mulheres com idade inferior a 45 anos, uma situação económica e saúde frágil, associadas a um aumento do risco de menores níveis de atividade física e de mudança para um perfil alimentar pior.
Embora estejam atrás nesta corrida, Inês Abrantes destaca que as mulheres “têm mais tendência a procurar o treino acompanhado, bem como a realizarem práticas diferenciadas''. Gostam de fazer treino de força, aulas de grupo e outras modalidades como pilates, yoga e dança.
A pandemia levou a uma alimentação mais saudável?
Além do género, da idade e da situação socioeconómica terem de ser tidos em conta quando se olha para a promoção de uma vida saudável, os resultados do relatório da DGS sugerem que a atividade física e o comportamento alimentar parecem influenciar-se mutuamente, tal como indica o Serviço Nacional de Saúde (SNS), reforçando a importância de uma abordagem integrada na promoção destes comportamentos.
O documento, além de resumir os dados relativos à atividade física, faz referência às alterações alimentares desde o início da pandemia, tendo 36,8% dos inquiridos confirmado que mudaram a sua alimentação relativamente ao período pré-pandemia. Destes, 58,2% consideraram ter mudado para melhor e 41,8% para pior.
Para o nutricionista Pedro Carvalho, à semelhança de Inês Abrantes, o aumento do tempo para refletir desde o começo da pandemia foi essencial para alterar hábitos e, consequentemente, ter uma maior sensação de autorrealização, capaz de prevenir doenças mentais. É algo que, na visão do profissional, deveria ser um processo facilitado pelas empresas:
“A maioria das pessoas melhorou a alimentação possivelmente por terem tido mais tempo para cozinhar em casa, algo que se pode manter com as pessoas que continuam em teletrabalho ou regime misto”.
O especialista em alimentação saudável também admitiu ter aumentado as suas consultas por videochamada e atendido mais mulheres do que homens.
E a nível da saúde mental, o que mudou?
Relativamente à saúde mental dos portugueses, o secretário do Desporto frisou que “se não fosse a atividade física, a saúde mental dos portugueses passaria por um momento ainda mais complicado”.
Embora a maioria das pessoas tenha começado a fazer mais exercício e a ter uma alimentação mais saudável, o relatório da DGS prova que o sedentarismo aumentou 7,5%. A razão provavelmente está associada, como referiu Inês Abrantes e Pedro Carvalho, à obrigatoriedade do teletrabalho. Mas por mais que esse método tenha sido imposto pelo Estado, para segurança de todos e cumprimento das medidas de prevenção à covid-19, nem todas as pessoas reagiram de forna igual.
A MAGG falou com a psicóloga Catarina Graça, que explicou o processo mental da maioria das pessoas, dizendo que havia dois caminhos possíveis: “As pessoas deixavam-se levar pelo sedentarismo ou procuravam em casa continuar a fazer exercício. Tive muitos pacientes que optaram pela segunda via e obrigavam-se a praticar atividade física após o trabalho no interior ou exterior”, contou.
Tal como Inês Abrantes, a psicóloga soube de casos de pacientes que não tinham o hábito de fazer exercício em casa, mas compraram material e tornaram-se ativas, por exemplo, recorrendo ao Youtube. “Se há algo que a pandemia trouxe de bom foi que as pessoas, identificaram-se umas com as outras, devido à falta de exercício, e criaram hábitos em conjunto”, afirmou.
Da mesma forma, a especialista considera que a saúde mental deixou de ser tanto um tabu e as pessoas sentiram-se mais à vontade para desabafar. “As pessoas estavam a passar pelo mesmo. Houve uma janela aberta para uma maior partilha”.
Quanto às suas pacientes e comentando a falta de tempo das mulheres em geral notada pelo relatório da DGS, a psicóloga limitou-se a dizer que aconselha sempre a busca por um equilíbrio de tempo e prática de desporto. “Digo-lhes para fazer exercício físico, porque assim dedicam tempo a si próprias e vão sentir vários benefícios com isso, como por exemplo o aumento de autoestima”.
A caminhada, o treino de força, as atividades de fitness e a corrida foram as atividades consideradas mais estruturadas pelo relatório da DGS. Enquanto as tarefas domésticas e o subir e descer escadas são as atividades físicas não estruturadas (integradas no quotidiano) mais apontadas.
Comparativamente ao período pré-pandemia, 41,5% dos inquiridos consideraram que o seu volume de atividade física era inferior, 42,4% não referiram alterações e 16% afirmaram que era superior.
Para 2022, João Paulo Correia tem a expectativa de que esta tendência da atividade física continue a aumentar, fazendo a ressalva de que, com a retoma do quotidiano normal dos cidadãos, “será fundamental garantir que aqueles que hoje são fisicamente ativos o continuam a ser, e ainda captar mais portugueses para o desporto”.
Com esse objetivo em mente, o responsável promete trabalhar em articulação com outras áreas, considerando “o investimento do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e iniciativas do IPDJ, que já decorrem e outras que serão lançadas, fulcrais para este desígnio”.
Também algumas recomendações da OMS em 2021 foram lembradas pelo documento da DGS: as crianças e adolescentes até aos 17 anos de idade devem realizar 60 minutos por dia de atividade física; os adultos (18-64 anos), devem fazer pelo menos 150 a 300 minutos (2,5 a 5 horas) por semana ou pelo menos 75 a 150 minutos para benefícios substanciais para a saúde; já os idosos (65 anos ou mais) devem fazer 150 a 300 minutos de atividade física de intensidade moderada, ou 75 a 150 minutos de atividade física aeróbica de intensidade vigorosa.
O estudo REACT-COVID 2.0 visou conhecer os comportamentos alimentares e de atividade física dos portugueses cerca de um ano após o início da pandemia de covid-19 (maio-junho de 2021).